terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Estranha Conversa

- Você está morto.
E então despertei. Com uma certa aminésia. Sabia quem eu era, lembrava de detalhes mínimos da minha vida, mas havia um espaço negro na minha recente história. Eu não sabia onde eu estava, nem quem havia proferido a frase que me acordou. Demorei minutos para entender o que havia sido dito. Eis o diálogo que ocorreu nesses minutos:
- O que? Quem está aí? - este era eu. Meio acordado, completamente atordoado. A visão estava turva, pois me sentei muito rápido. Estive deitado por muito tempo.
- Vou ascender algo, para que enxergue melhor. - era a voz do despertador. Masculina. Minha audição em perfeitas condições permite que eu escute o riscar do fosfóro, algo queimando, lábios pitando algum objeto. Não precisaria do meu olfato para descobrir que o homem à minha frente ascendeu um cigarro. Porém, minha curiosidade em saber do meu atual estado, fez com que minhas narinas aspirassem o cheiro cancerígeno. Tossi, como se houvesse sentido aquele cheiro pela primeira vez. - Câncer. - disse o homem. Sua voz não me era familiar, nem um pouco. - Irônico, não? - sua voz estava em perfeitas condições, ele até tinha uma voz atraente, de galã de filmes.
- Quem é você? - resolvi intervir.
- Já assistiu o grande filme "O Grande Tenista"?
- O que? - indaguei em meio mais uma tosse.
- "Eles não fazem raquetes duráveis, Leroy. Aliás, eles não fazem mais nada que dure".
- Do que você está falando? O que está acontecendo? - minha visão estava perfeita, constatei. Desde sempre. O lugar era do mais profundo ébano. Eu podia ver a fumaça me abraçando por trás. Virei me de pronto. Um olho em chamas me observava. A fumaça vinha diretamente dele. Ao lado, meio sorriso revelava-se, graças ao lampejo da chama.
- Achou. - o fumante disse em meio ao meio sorriso.
- Olha, o que significa tudo isso? Onde estou? A última coisa que me lembro foi de...você ter dito que eu estava...
- Morto.
Fazia sentido. Aquele lugar, o ambiente escuro. Ainda sentado, coloquei as mãos à cabeça. A idéia veio como uma bala perdida. Tudo indicava que eu realmente estava morto.
A partir de agora, inicia-se um novo diálogo, onde um homem tenta bater de frente com seu destino trágico, vestido com roupas de gala e fumando um cigarro. Ou, assim parecia ser. É aqui que o morto, teima em não aceitar o seu fato. Pois as injustiças, são muitas.
- Como assim morto?
- Ok, eu menti. Você não está morto...totalmente.
- O que? Então estou vivo!
- Se você considera alguém com uma doença terminal incurável em estágio final, uma pessoa viva...
- Doença terminal?
- Câncer.
- Meu deus. Então estou para morrer.
- Você já está morto.
- Mas você disse...
- Escuta, uma respiração à mais, uma a menos. Um órgão funcionando a mais, outro a menos. Qual a diferença quando todos morreram, certo?
Certo. Ele estava certíssimo.
- Que tipo de câncer?
- Bom, como é mesmo que eles dizem? "Do tipo que não se cura."
- Eu quis dizer...
- Eu sei o que você quis dizer. Mas não importa, é câncer.
- Isso aqui é o inferno?
- O que faz você pensar isso? Sou eu? Desculpe, não foi a intenção.
- Então é o céu?
- Pense um pouco, parceiro.
- Eu não estou morto - ele olha para mim com uma breve cara de desaprovação. - totalmente. - e agora sorri por entre a vagalume em chamas e a cortina de fumaça. - Então é provável que estajamos em meu subconsciente.
- Não doeu pensar um pouco, doeu? Você acertou. É o que sobrou de você por enquanto. Mas você sabe que logo vai se apagar também. Você está morto.
- Foi câncer de pulmão?
- Caramba, isso realmente importa? É por causa do cigarro? - assenti com a cabeça - Foi o que eu pensei. Devia ter escolhido uma lanterna, mas você sabe, eu gosto do clima noir.
- Quem é você? Espera, você disse sobre um filme. "O Grande Turista", é isso?
- Tenista! "O Grande Tenista".
- Ok. Desculpe. Eu nunca vi esse filme.
- Claro que não. Esse filme não existe.
- O que? Pare de zoar com a minha cabeça!
O homem se aproximou de mim e agora conseguia ver seu rosto com um pouco mais de nitidez. Seus cabelos estavam penteados totalmente para trás, com alguma substância pastosa que impedia o despenteamento. Seu nariz era um pouco avantajado e as sombrancelhas eram metódicas, dando um ar artificial e plastificado ao homem. Ele parecia um boneco, a parte o nariz.
- Sua cabeça já está zoada, meu caro. É melhor aproveitar. Não sei quanto tempo ainda nos resta, já que se você parar de funcionar, eu também vou. Vamos conversar um pouquinho?

(continua)

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