quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Apenas um desses contos...

Um jovem andava pela rua, quando escutou os gritos "ei! Jovem! Jovem garoto! é! você mesmo! tem um minuto?" um homem de certa idade não aparente, que mais parecia um velho, com entradas para futura careca. De agrado, esse Jovem parou o relógio, conseguiu um minuto e aproximou-se do vocativo. "bom Jovem, de pouca idade, fresco na mente. esse minuto será muito favorável. apenas quero que me ajude num trabalho de malhar. vê a cruz? claro que vê a cruz, com seu dourado e rubis. tenho que prega-la na porta desta casa. esse é o meu trabalho, mas ela é pesada e preciso demais força para prega-la. pode conceder teus braços jovens para que assim, a pregação termine mais rápido?" e o Jovem disse sim e foi ajudar o homem a pregar a cruz. Os dois começaram a martelar a porta da casa. De início, o Jovem batia pausadamente, sem muita força "vamos garoto! mais força nisso! quanto mais forte, mais firme a cruz fica!" e mais gritos do homem da cruz, fizeram com que o Jovem acelerasse a batida e aplicasse mais força no punho. Pregavam a cruz com os punhos cerrados, como uma luta. Pa Pa Pa Pa Pa Pa Pa! Sem parar! "vamos! a cruz tem que ser pregada! vamos!" e os gritos não paravam. Quando se deu conta, não estavam apenas os dois pregando. Mais pessoas iam chegando atraídas pelo canto do homem e a batida da pregação. Pa Pa Pa Pa Pa Pa Pa "sem parar!" Pa Pa Pa Pa Pa Pa Pa "sem parar!" era uma linda música e foi atraindo os apaixonados. Certa hora, os punhos do Jovem começaram a sangrar. Virou para perguntar ao homem da cruz, se podia parar, mas seus gritos mantinham um silêncio ao redor. Pa Pa Pa Pa Pa Pa "sem parar!" e parou de reclamar, ao notar que seu sangue na verdade, fazia um belo rubi na cruz. Uma multidão veio para ajudar a pregar. E o homem da cruz, parecia delirar, olhando para os céus de olhos fechados e cantando em gargalhadas, como um pianista cego. "ha ha ha ha ha ha sem parar!". O primeiro que foi ajudar, lembrou-se do relógio e viu que o minuto se fora. Virou-se para ir embora, mas a multidão o impedia. Os que não ajudavam a pregar, ajudavam na romaria. Não conseguia sair, e a multidão o esmagava contra a cruz. Sentiu um tiro no estômago, um na face. Não percebeu muito bem, até notar que confundiram-no com a cruz. Arriscou avisar, porém, era tarde. Morreu antes de saber, se a pregação havia terminado.

domingo, 15 de agosto de 2010

Domingos. Preciso tê-los por perto, enquanto arrasto móveis para ocupar a solidão.
Invernos. Obrigam-me a ascender uma lareira na sala, enquanto meus pés hipotérmicos garantem espasmos.

É tudo que tenho para dizer em domingos de invernos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Danica

Seu cigarro está pra acabar, assim como o turno do astro sol, que vai se pondo ao fundo. Uma visão privilegiada para quem mora no apartamento número 94, da torre 1. Condomínio Joy Dimension. Um dia já foi uma bela réplica dos prédios da famosa orla de Miami Beach. Não haver uma praia ali, era mero detalhe. Já foi um prédio cor salmão, que pela noite, abandonava a cor clara, para gritar com seu magenta neón. Mas isso foram outros tempos e ela nem era residente naquela época. O portal do prédio, estava velho e sujo. Apenas chegando muito perto, era possível uma leitura do pórtico. Era um arco em cor de madeira e o letreiro também da mesma cor. Porém, de noite era outro grito neón, dessa vez verde. Danica lembra ter lido aquilo apenas uma vez, quando chegou com suas malas, acompanhada de três amigas. Todas traziam bagagens e sonhos. As amigas se foram com o tempo e os sonhos também. Eles não caíram na promessa do pórtico do condomínio: “Uma outra Dimensão!”. Bastaram algumas semanas e o apartamento tornou-se mera extensão da realidade. As quatro jovens descobriram a vida no Lacienda. E que uma vez vivendo ali, não escapariam de formas santificadas. E, fora Danica, todas as outras saíram de lá com seus pecados em busca do paraíso. Danica preferia viver no inferno com seus próprios demônios e os dos outros. Não faria como Ana, que foi mandante do assassinato da esposa de seu marido, para que assim, pudessem se casar e ele a sustentasse. Nada contra Ana, as duas ainda se falam normalmente, foram mais amigas e hoje se respeitam. Mas Danica não colocaria tanto esforço por uma “estável”. Não. Lana virou a rainha branca. Começou a vender cocaína durante as noites, entre um intervalo de um programa e outro. Ficou “famosa” demais pela cidade, resolveu mudar para Europa. Com os contatos certos, o corpo quase perfeito e sua habilidade com facas, logo tornou-se “La Reine Blanche”. Engraçado era que ela não usava drogas. Quando cheirou pela primeira vez, enquanto estava em um hotel em Nice, comemorando a maior venda de sua vida, ela teve uma arritmia cardíaca e morreu. Barbie, foi a primeira a sair. Usou de seu corpo para pagar bons estudos. Hoje é uma vice-presidente da maior imobiliária do país. Nunca mais ela pisou novamente em Lacienda e fez uma visita para Danica. Todas foram viver com seus pecados no paraíso, Lana já na versão 2.0. O cigarro de Danica atinge o filtro, o sol se foi, a noite chega e o celular pode tocar a qualquer momento. Ela descola o tórax da janela e desliza o vidro que a fecha. Não há mais as cortinas floridas que ela trouxe de sua casa. Certa vez bebeu tanto, no nascer do sol, que ascendeu um cigarro e o foi ver a aurora do dia. Distraída, deixou o cigarro ao lado do braço direito. Adormeceu ali mesmo e só acordou com o cheiro de tecido queimado. Queimou o único resquício de sua adolescência. Porém, ela realmente não ligava para isso. Não mais. Com a ajuda das luzes da noite, ela tateou procurando o interruptor e o empurrou para cima. Uma luz fraca surgiu no teto do apartamento. Era entre o amarelo e o laranja, não se decidia. Apesar de fraca, foi suficiente para Danica avistar o sofá. Estava envolto em um lençol azul marinho e dividia a sala apenas com a TV. Haviam mais coisas ali, na época de ouro. Quando, uma a uma, as meninas foram saindo, algumas coisas também foram. Mas a maioria, Danica trocou por drogas e dinheiro. Dinheiro que logo virou bebida. Agora ela podia contar nos dedos as coisas que haviam no apartamento. Sofá velho, lençol azul marinho, pequena mesa retangular, que era suporte da TV usada e velha. Antes, era uma televisão bem mais nova, muito bonita. Virou um saquinho de açucar, com resquícios de cocaína. Depois de alguns dias, a abstinência do quadrado mágico, foi maior do que a abstinência de crack e Danica conseguiu a velha televisão usada, ficando assim, estável. Havia uma cama arrumada, mas raramente usada. Danica gostava de dormir no sofá, assistindo ao talk-show do Skinny. Ao lado do sofá, um cinzero preso em um pedestal. E era só, mais nada. Danica deitou-se ao sofá e procurou algo com sua mão próxima às nádegas. Não encontrou, pois aquilo não existia mais. Levantou-se, foi até a TV. Apertou o botão preto que estava próximo à pequena luz vermelha. A princípio não houve imagem, apenas o som de risadas falsas. Pelo horário, era o seriado “Missy Mississipi”. Mais uma reprise. Era tão velho, preto e branco, sem graça, de tanto que fora reprisado. Danica odiava o seriado. Voltou ao sofá e deitou-se novamente. A imagem surgiu de repente na tela preta. Sua calcinha estava com o lado esquerdo sendo engolido por suas flácidas nádegas. Ela meteu a mão por debaixo da calça, ajeitou a roupa de baixo e ficou assistindo “Missy Mississipi”. Riu de algumas piadas, ascendeu mais um cigarro. Começou a escutar tiros do lado de fora, carros passando correndo. Uma noite quente de verão. O mundo se agita o triplo do habitual. Sentiu vontade de urinar. Levantou-se e foi até o banheiro. Baixou as calças com força, para ter certeza de que levava a calcinha junto e sentou no vaso limpo. Era uma casa limpa, apesar da precariedade do prédio e da falta de móveis. Aliviou-se, tragando seu cigarro. Não era o favorito. “Ei, Lucky, me vê um maço de Liberty”, ela perguntou. “Jan, sinto muito xuxu, mas acabou meu estoque de Liberty”. Ela pensou, que deveria parar de comprar cigarros com Lucky. Ele já foi um bom revendedor, mas perdeu espaço nos últimos anos. “Ele não tinha tanta sorte assim” ela pensava enquanto a urina dourada descia de sua vagina. “Então me da um Boulevard mesmo”. Ela não suportava um Boulevard. Até o nome, ela não suportava. Gosto ruim, cheiro ruim, tudo ruim. “Por que merda eu pedi um Boulevard, então? Eles são mais baratos Dani, você sabe disso.” Terminou o cigarro e terminou de urinar. Danica levantou-se, subiu a calcinha e depois sua calça preta. Puxou a descarga, enquanto puxava outro cigarro do maço. Tossiu. “Isso que dá fumar, Danica. E ainda por cima, fumar um maço de Boulevard.” Era o último. Ascendeu-o e depois foi lavar as mãos. Jogou uma água no rosto e tentou se olhar no espelho, mas este estava todo trincado. Haviam dez Danicas ali e ela ficou com preguiça de analisa-las. Andando vagarosamente para seu sofá, ela assistia de longe os créditos do seriado, mas não ficou nem feliz e nem triste com isso. De sopetão, a caixa preta apagou-se. Danica suspirou, como quem já se cansou de algo. Já haviam dias em que a TV estava com esse surto de desligar-se sozinha. Continuou sua caminhada desprenteciosa. Quando estava à frente do aparelho, agachou-se e viu-se com o reflexo da tela. Notou alguns furinhos na sua face. Não muitos, mas um sinal da idade. O cabelo estava preso com um coque. A cor oscilava entre um loiro falso e o castanho escuro veridadeiro da raiz. Os olhos, pequenos e escuros. Usava um top cinza decotado. Apalpou os seios, para certificar-se de que o implante continuava ali. Ainda imaginava que um dia, a coisa ia escapar dali e sair quicando pela sala ou pior, durante um programa. Ela ainda travava quando um cliente, afoito por peitos, metia os dentes e os apertava. Estavam firmes, do jeito que ela e os outros gostam. Estava a mesma coisa de sempre, nenhuma novidade. Ligou a TV de novo, tornou a deitar-se ao sofá, fumando o último Boulevard. Agora, o programa era “Lei da Sobrevivência”. Pequenos documentários de pessoas que sobreviveram à uma provação horrível da vida. Danica nunca via algum programa sobre sobreviventes do Lacienda. Quem sabe hoje? É, ela tinha algumas pequenas expectativas da vida que a faziam esquecer certos absurdos. O programa estava pra começar, a abertura no seu encerramento. Quando o narrador pôs-se a falar, o celular tocou. Hora de trabalhar.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Calculista - Pt.2 (e final)

O pátio onde eu realizava os desafios, estava sempre cheio. Uma massa de toneladas, espalhada em pedaços de quilos, tentava retirar-me de minhas circustâncias. Sempre em vão. Mal sabia eu que ali no meio, minha ruína contemplava o céu, como que dialogando com os deuses, o plano de destruição do meu ser. Porém, quem encontrou o algoz, fui eu próprio. Fui em quem libertei a fera. Seu corpo era firme e jovem. Os olhos, que pareciam um reflexo do céu acima, mas também poderiam ser janelas para um novo e virgem oceano. Os cabelos eram feitos de raios solares. Fêmea, com seus seios deformando um vestido de cores mil. Algo naquela fêmea sacudiu meu ser. Ela parecia entediada. Era cúmplice de meus sentimentos! Percebi ao olhar detalhado! Merecia uma devida atenção e diversão. Mesmo tendo o destino da não vitória, que eu já havia traçado. Ao menos, poderia notar-me. Chamei-a por seus adjetivos (linda jovem, olhos de Poseidon, cabelos de Apollo!) e prontamente, ela mirou em mim. “Deseja um bocado de distração? Será que consegue propor-me o cálculo inssolucionável?” Ela começa a caminhar em minha direção. “Sou o mestre do cálculo e não há quem me derrote”. Ainda mirando em mim, continuando a andada. “Dou-lhe a chance de... tentar derrotar-me c-com a-apenas uma p-pergunta” Pelos deuses! Ela está a um palmo de mim! Coloca os braços envolta de meu pescoço! “J-jovem, q-que é isso?” Seus lábios falam com os meus em línguuas jamais compreendidas. Estou em êxtase. Ela para. Olha-me nos olhos novamente, com aquele olhar que agora amo e temo. Esmoreci. Ela simplesmente, sussurou:

- Você consegue contar as batidas de seu coração?

Não consegui, falhei. Derrotado, por um beijo.

domingo, 1 de agosto de 2010

O Calculista - Pt.1

Crônica feita durante uma madrugada de trabalho. Em pequenas partes para leitores preguiçosos como eu.

O Calculista

Eu era um calculista. Calculava tudo e todos. Tinha os cálculos precisos ao fim do mês. Formei-me em cálculo, sendo um dos destaques da turma de 63. Papai sorria orgulhoso. Mamãe chorava descompassada. Meu irmão mais novo, olhava intrigado e inspirado. Logo, era um funcionário de uma multinacional, em cargo de base. Pacientemente calculei precisamente em quanto seria promovido. E fui calculando, tudo e todos. Alguns, com certa modéstia, denomiram-me mestre do cálculo. Título que aceitei de bom grado.
Certo dia, já cansado de calcular meus louros por contribuição empresarial, criei um passatempo interno para os funcionários da (já minha) empresa. A proposta era: trazer o cálculo incalculável para o mestre resolver. Obviamente, o prêmio para quem o fizesse teria de ser relevante e nivelante à minha supremacia. Daria toda a minha riqueza para o que me derrotasse. Foram anos, tentativas frustradas. Pobres coitados, homens e mulheres, jovens e velhos. Calculei tudo e todos. Percebia onde seus previsíveis problemas tentavam me levar, logo eu preparava um bote, um exímio predador. Eu era um poderoso alicerce. Imóvel e reluzente.
Pois veio a tempestade, que estremeceu e escureceu a minha matéria.