Olhou para o alto da colina e percebeu que a casa estava próxima. Foi o bastante para já ouvir-se os tremores da mesma. Uma irritação. A casa era de uma cor que não se sabia ao certo. Havia o verde do mofo, havia o preto da morte, havia o cinza das cinzas. Era uma cor podre e mortífera. À porta, muitos cestos iguais o que a velha carregava. Podia-se dizer que os doces estavam podres devido ação do tempo, pois há muito que estavam ali. Mas os velhos e podres doces obtiveram a mesma cor mortal da casa. Pareciam ter absorvido a doença que ali parecia habitar.
Bateu à porta. E um som reproduzindo palavras respondeu:
- És tu novamente, assim deduzo, ó velha memória!
Era um som e não uma voz. Aquele som grave e agudo, amargo e azedo, não era uma voz, já não podia mais ser.
- Pois sim, sou aquela que lhe atormenta por vezes. Sinto-me obrigada a isso. - respondeu a velha.
- Pode deixar o que trouxe e que cheira bem aí à porta. Não desejo as coisas feitas por quem desconheço. - disse o som.
- Perdão, novamente estás equivocado. Conhecemo-nos há muito. Se ao menos colocasse os olhos perante mim, talvez pudesse lembrar.
- O que há muito conheço, velha culpada, foi-se junto com minha sanidade.
- Talvez se eu lhe disser meu nome...
- Poupa teu fôlego. Vá antes que a casa desabe sobre teu corpo, mente e alma.
- Se assim deseja. Mas gostaria de perguntar-lhe, apenas responda-me isso: Não sentes nada ao ouvir minha voz? Não sentes nada com minhas visitas? Não lhe toca o coração minhas atitudes?
- Devo dizer-lhe que sim. Há vários sentimentos. É notavel que algo ocorre quando passa o teu fantasma por aqui. Não há como negar. Sim. Há muitos sentimentos, mas nenhum deles se chama Amor.
E a velha deixou mais um cesto de doces à porta. Sem lágrimas, sem desespero, sem o cesto de doces.
A velha voltou sem nada, novamente.